20 de jun. de 2009

Suicida - Um conto



Revisita ao conto: Suicida

Um dia quente realmente muito quente.
Na mesa do café da manhã, ao lado das contas a pagar, sua carta de demissão. Sobre esse calhamaço, uma nota simples: "Cansei de viver. Desculpem-me pela covardia."
Resolveu se matar na noite anterior, após o jantar. Ela, que era seu ponto de equilíbrio jogou a aliança dentro de sua taça de vinho, dizendo simplesmente que amava a outro. Fazer o quê? Partiu deixando a chave e levando sua vida.
Pensou a noite toda na melhor maneira de se matar. Passou pelo enforcamento, pelo envenenamento e pelo tiro. Mas o medo de errar e ficar vivo e sequelado lhe fez desistir dessas idéias.
A melhor opção então, seria se atirar do alto do prédio onde trabalhara por tantos anos. Com seus 30 andares, não haveria nem tempo de alguém lhe prestar socorro. Pá, pum. Sem problemas futuros.
Subiu ao topo, deu uma última olhada ao horizonte poluído da cidade, sua cidade com quem tivera tantos amores e desentendimentos. E saltou...
Parecia um sonho irreal. Tanto tempo fazia que estivesse caindo, e mesmo assim não havia passado ainda pelas janelas do último andar. Uma queda em câmera lenta...
Quando finalmente passou pelo vigésimo - nono andar viu seu pai à janela. Seu pai, que fora seu ídolo até sua morte, aos 42 anos. Uma morte que desestabilizou a família e fez com que sua mãe fizesse das tripas o coração para poder manter seus três filhos. Hoje, todos formados, ela vive confortavelmente instalada, com todos os mimos possíveis. "Esqueci de escrever para ela"- lembrou-se, tarde infelizmente.
Deu um até breve para seu pai. Era bom saber que ele estava por ali, aguardando por ele.
A queda agora parecia mais rápida e, ao passar pelo vigésimo andar, da janela notou uma multidão lhe chamando. Amigos que ele estava deixando para trás. A turma do futebol e da cerveja. Os colegas de escritório. Uns, a quem ele não era muito chegado, aplaudiam sua atitude. Outros, os amigos mesmo, choravam como se estivesse já morto.
Dali para frente, a cada andar que passava, mais rápida sua queda parecia. Em cada andar, um conhecido ou uma imagem de si próprio, como memórias, mas vividas. Era como se cada segundo fosse uma eternidade, onde ele podia ver sua vida refletida em vidros de janelas.
Ao chegar ao primeiro andar, o último antes do contato com o duro concreto da calçada, viu sua amada. Aquela mesma que ontem lhe disse que não o queria mais. Seus olhares se cruzaram e ele viu o horror estampado em seu rosto: "Sim, você é a causa disto"- disse. Foi a única vez que lhe deu vontade de chorar e gritar de ódio, de impotência.
O baque surdo que desmanchou seu corpo em fragmentos que nunca mais seriam um todo foi indolor. A única sensação foi de tristeza, pois da boca de sua amada ainda pode ouvir, distintamente: "Eu ainda te amo..."

- Conto de autoria de David Nóbrega , do livro Uns & Outros

* A fotografia do post é de autoria de David Nobrega e participou da exposição: Porto Alegre: Imagem e Poesia no centro cultural Erico Verissimo em Porto Alegre.

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