Já escutei uma vez que por não assistir televisão estou alheia ao mundo, sou uma cidadã carente de informação ( Aqui abro um parênteses já que não sei o tipo de informação que se pode tirar de alguns programas da televisão).
Por não assistir televisão, não conheço o grande ator ou atriz da vez, nem a grande-mega banda que está “revolucionando” a cabeça da galera. Quando vejo jovens gritando, seja na forma atual ( internet) ou na rua por seus ídolos de novela ou ídolos de programinhas de música, me sinto perdida, pois não faço ideia de quem seja o cidadão. Daí que esses dias me peguei pensando em meus ídolos, e sim tenho muitos. Mas não faço o estilo histérica-neurótica, nem arranco os cabelos. Apenas me sinto próxima...Ou gostaria de ser amiga, quem sabe tomar um chimarrão ou dividir a mesma mesa de cerveja? Sim, creio que é isso.
É uma sensação estranha... Nos sentimos próximos e nos identificamos seja com a música, poesia, livro. Pode ser alguma frase, a obra inteira... Mas passamos a nos identificar com quem não conhecemos.
Dos meus ídolos, vou escrever sobre dois:
Sou muito fã de Martha Medeiros. A primeira vez que li Martha foi na faculdade quando eu tinha 17 anos. Eu comprei o livro Trem Bala para um trabalho da cadeira de Português e depois comprei mais outros 2 livros dela naquele ano. Sou leitora de Martha na coluna que ela escreve na Zero Hora e no seu blog. De diversas crônicas dela me lembro quase como que decorada, mas não por treino e sim por prestar atenção em tudo o que ela escreve. Sou fã daquelas que vibram quando mais uma obra de Martha é adaptada para teatro... Fã que tem orgulho da autora, do que ela escreve. Esses dias conversando com David, resolvemos tentar entrevistar Martha Medeiros para a próxima revista literária. Mandei um e-mail humilde convidando para a entrevista e avisando que não lhe tomaria muito tempo. Para minha felicidade, Martha aceitou! Enviei as perguntas e ela prontamente respondeu. A entrevista de Martha só aumentou o meu respeito pelo seu trabalho e vocês vão poder conferir na próxima revista que vai ao ar em maio.
O segundo ídolo é Vinícius de Moraes. Alguns podem achar estranho eu falar nele, até porque infelizmente o tempo não me permitiu viver a grande época de Vinícius. Vinícius faleceu em 1980 e eu nasci em 1981. A primeira vez que escutei falar de Vinícius de Moraes foi quando tinha 9 anos de idade e li em um livro de poesia “Soneto do amor total”. Fiquei fã e passei a ler e escutar Vinícius! Seguindo essa linha, entrei em uma aula de canto e cantava Vinícius, Toquinho, Tom Jobim entre outros. Por não ter vivido àquela época, me sentia frustrada, pela riqueza musical e pelas letras maravilhosas que existiam. Vinícius era um cara que eu gostaria de ter conhecido, eu queria fazer parte do seu círculo de amigos e tenho certeza que David gostaria de dividir o mesmo whisky com ele. Vinícius de Moraes foi o responsável direto por meu gosto pela música e pela poesia. Ele escreveu diferente e vai ser sempre para mim, o poeta além da poesia.
Deixo para vocês uma Crônica de Martha Medeiros e uma poesia de Vinícius de Moraes.
Mamãe NoelMartha Medeiros
Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.
Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.
O HaverVinicius de Moraes
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
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