Augusto dos Anjos, como uma boa parcela de escritores, foi reconhecido somente depois de sua morte - " Conta Francisco de Assis Barbosa que, em novembro de 1914, Orris Soares e Heitor Lima encontraram - se com Bilac e o informaram do prematuro falecimento de Augusto. "E quem é esse Augusto? " Perguntou Bilac. Um grande poeta, responderam - lhe , e Heitor Lima recitou o soneto Versos a um coveiro. Bilac sorriu superiormente e comentou: "Fez bem em morrer, não se perde grande coisa." ( trecho do livro Eu, página 3 e 4 editora L&PM)
Bilac não viveu o suficiente para perceber que se enganara, em 1928 a terceira edição do livro EU vendeu 5.500 exemplares em dois meses, os primeiros 3.000 em somente 15 dias. Aí se deu início ao reconhecimento pela obra de Augusto dos Anjos.
"VERSOS A UM COVEIRO
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!
Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!
Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais
Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números
A tua conta não acaba mais!"
"VERSOS ÍNTIMOS
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!"