19 de jan. de 2011

"No meio do caminho tinha uma pedra..."

                As altas horas das silenciosas noites veracruzenses, quando pode-se facilmente sair de casa sem medo de assaltos por simplesmente não existir nenhum humano vagando pelas ruas, é o momento propício para que minha esposa e eu discutamos os acontecimentos do dia que se passou, assim como o planejamento para a próxima batalha, geralmente regados a um bom chileno, que ninguém é de ferro. Dizem que viver é matar um leão ao dia e eu discordo: São legião.

                A noite de ontem não foi diferente. Após um ótimo filme chinês sobre Confúcio, continuamos sentados debatendo sobre o tudo do nada, o vazio de cada meio copo e etcéteras. Nenhum assunto é desimportante quando a parte contrária do debate é o que realmente interessa; assuntos são de menos, desde que estejamos juntos. Papo vai, papo vem, e acabamos falando sobre nossa horta. Ao ali me dedicar, transpiro os excessos e o stress do dia. Juro que se acreditasse em divindades, optaria por uma visão junguiana com sua Mãe Terra, Gaia. O verde das terras é bom, o marrom da  terra é ótimo e o vapor que se forma sobre a pele leva consigo o mal e o veneno das energias negativas, colhidas ao longo da vida.

                Pois estava ali, refazendo meus canteiros. O pepino e o tomate deram o que tinham a oferecer, hora de arrancar os pés ressequidos e sem frutos e reavivar a terra. Primeiro lance do enxadão deu de topo em uma imensa pedra que eu havia me esquecido da existência. Logo quando cheguei aqui e comecei nossa plantaçãozinha, já havia me encontrado com ela. Decidi que era hora de dar um basta nesses encontros e, contornando-a, achei espaço suficiente para enfiar uma alavanca. Fiz com que aflorasse, com seus 50cm de lado, 20 de altura e um peso que acredito bata os 120 quilos. Granito puro. Chamei dona Letícia para ver o feito e quem sabe receber beijinhos de parabéns, mas apesar do lindo sorriso de covinhas, percebi que algo não estava lá muito bem. Tendo que terminar o que estava fazendo, esqueci do assunto, até nosso bate-papo da noite.

                "Fiquei decepcionada com a pedra"— disse a mais amada das mulheres. "Por quê?", quis saber eu. "Ahhh, sei lá... Achei que quando tu levantasses a pedra haveria algo embaixo. Tipo algo antigo, como ferramentas ou uma caneca de barro...". Respondi que não havia nada, a não ser outra imensa pedra, tão grande quanto a primeira. Mas essa conversa aparentemente fútil me deu algo a pensar...

                Nossa vida é assim, não é? Remover pedras. Carregá-las para onde não estorvem ou, como no meu caso, usá-la como apoio de um vaso, que é o que pretendo fazer. E sempre haverá outra pedra a ser removida, com maior ou menor movimento de terra e consequente trabalho.  As costas podem ficar doloridas, uma distensão chata no ombro, mas se navegar é preciso, imaginem tirar pedras do caminho!

                Houve um tempo em que eu me preocupava muito mais em dar voltas às pedras que me apareceram pelo caminho, contornando dificuldades ou acreditando assim agir. Hoje prefiro encarar . Existe um momento em nossa vida que precisamos nos conscientizar de que somos exemplos para nossos filhos, somos guardiães de quem amamos. E pelo Leonardo, Guilherme, Lucas e Letícia, desencravo uma montanha com meu enxadão e a carrego nas costas.

(* para quem não sabe, embora ache meio impossível, o título é de lavra do bom velhinho Carlos Drummond de Andrade) 
               

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