A noite
de ontem não foi diferente. Após um ótimo filme chinês sobre Confúcio,
continuamos sentados debatendo sobre o tudo do nada, o vazio de cada meio copo
e etcéteras. Nenhum assunto é desimportante quando a parte contrária do debate
é o que realmente interessa; assuntos são de menos, desde que estejamos juntos.
Papo vai, papo vem, e acabamos falando sobre nossa horta. Ao ali me dedicar,
transpiro os excessos e o stress do dia. Juro que se acreditasse em divindades,
optaria por uma visão junguiana com sua Mãe Terra, Gaia. O verde das terras é
bom, o marrom da terra é ótimo e o vapor
que se forma sobre a pele leva consigo o mal e o veneno das energias negativas,
colhidas ao longo da vida.
Pois
estava ali, refazendo meus canteiros. O pepino e o tomate deram o que tinham a
oferecer, hora de arrancar os pés ressequidos e sem frutos e reavivar a terra.
Primeiro lance do enxadão deu de topo em uma imensa pedra que eu havia me
esquecido da existência. Logo quando cheguei aqui e comecei nossa
plantaçãozinha, já havia me encontrado com ela. Decidi que era hora de dar um
basta nesses encontros e, contornando-a, achei espaço suficiente para enfiar
uma alavanca. Fiz com que aflorasse, com seus 50cm de lado, 20 de altura e um
peso que acredito bata os 120 quilos. Granito puro. Chamei dona Letícia para
ver o feito e quem sabe receber beijinhos de parabéns, mas apesar do lindo
sorriso de covinhas, percebi que algo não estava lá muito bem. Tendo que
terminar o que estava fazendo, esqueci do assunto, até nosso bate-papo da
noite.
"Fiquei
decepcionada com a pedra"— disse a mais amada das mulheres. "Por
quê?", quis saber eu. "Ahhh, sei lá... Achei que quando tu
levantasses a pedra haveria algo embaixo. Tipo algo antigo, como ferramentas ou
uma caneca de barro...". Respondi que não havia nada, a não ser outra
imensa pedra, tão grande quanto a primeira. Mas essa conversa aparentemente
fútil me deu algo a pensar...
Nossa
vida é assim, não é? Remover pedras. Carregá-las para onde não estorvem ou,
como no meu caso, usá-la como apoio de um vaso, que é o que pretendo fazer. E
sempre haverá outra pedra a ser removida, com maior ou menor movimento de terra
e consequente trabalho. As costas podem
ficar doloridas, uma distensão chata no ombro, mas se navegar é preciso,
imaginem tirar pedras do caminho!
Houve
um tempo em que eu me preocupava muito mais em dar voltas às pedras que me
apareceram pelo caminho, contornando dificuldades ou acreditando assim agir.
Hoje prefiro encarar . Existe um momento em nossa vida que precisamos nos
conscientizar de que somos exemplos para nossos filhos, somos guardiães de quem
amamos. E pelo Leonardo, Guilherme, Lucas e Letícia, desencravo uma montanha com
meu enxadão e a carrego nas costas.
(* para quem não sabe, embora ache meio impossível, o título é de lavra do bom velhinho Carlos Drummond de Andrade)
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